Intervenção do Presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, António Nunes, hoje, na reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República (Veja aqui a participação da LBP na reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República):
“Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Agradeço a oportunidade que dão à Liga dos Bombeiros Portugueses de poder apresentar as suas preocupações na Casa da Democracia.
Os Bombeiros são corpos de socorro imprescindíveis e insubstituíveis em todo o Mundo, mesmo que assumam outra designação. Os Bombeiros Portugueses cuja história remonta ao reinado de D. João I, prestam serviço à população no âmbito do transporte de doentes e da emergência pré-hospitalar, no combate a incêndios e em todas as situações de acidentes graves, catástrofes ou calamidades, estando presentes em mais de 98% das ocorrências em Portugal, num total de mais de 5 milhões de intervenções por ano. Todos nós já assistimos à intervenção dessas mulheres e homens em missões de socorro e salvamento, quer de forma direta, quer através da sua presença mediática, designadamente no combate a incêndios florestais ou, mais recentemente, durante a pandemia COVID19.
Mas será que tivemos a oportunidade de nos interrogar em que condições os nossos Bombeiros estavam presentes para nos socorrer? Deixem-nos dar alguns exemplos negativos: ambulâncias de socorro com mais de 12 anos ou um milhão de quilómetros, 1204 veículos de combate a incêndios com mais de 32 anos de idade, municípios sem um único veículo de combate a incêndios urbanos, distritos com uma única autoescada. Precisamos dos Bombeiros nos momentos de aflição, louvamos os Bombeiros nas múltiplas cerimónias e depois, em muitos casos, cinicamente, abandonamos as Associações Humanitárias de Bombeiros e os Corpos de Bombeiros à sua sorte, não lhes criando as condições de segurança e de trabalho, para poderem cumprir com as missões que se encontram previstas no normativo jurídico português, designadamente, na Lei de Bases da Proteção Civil que lhes atribui e lhes exige, dia após dia, sem qualquer dia de intervalo, que estejam em estado de prontidão permanente e disponíveis, porque o seu desígnio é salvar pessoas, bens e ambiente, não olhando a quem precisa de socorro.
Quando o telefone toca no quartel de Bombeiros, num qualquer dia ou hora, alguém pergunta a condição económica, social ou outra de quem necessita de apoio ou socorro? Não! Equipam-se e avançam porque o bombeiro é “o anjo da esperança que luta e avança…”, como se expressa no nosso hino, sob o lema Vida por Vida. Vida por Vida que lamentavelmente levou ao registo de 243 Bombeiros falecidos em serviço, desde 1980 até à data de hoje. Será que há outra entidade envolvida na segurança nacional com tal infortunado registo? Curvemo-nos perante essas mulheres e homens que deixaram os seus nomes registados no nosso memorial.
Por isso, a Liga dos Bombeiros Portugueses sente-se mandatada pelos Bombeiros de Portugal (mais de 40.000 bombeiros, 467 Entidades Detentoras de Corpos de Bombeiros, mais de 10.000 dirigentes associativos, mais de 2 milhões de sócios nas Associações Humanitárias de Bombeiros) e em memória dos que faleceram, para exigir mais. Exigir mais da sociedade, dos políticos, dos cidadãos!
Senão, vejamos. Os Bombeiros não devem ter direito, operacionalmente, ao seu comando num princípio, para nós basilar, de Bombeiros a comandar Bombeiros, aliás à semelhança das outras forças e entidades de segurança ou de combate a incêndios florestais, num princípio de equidade? Os Bombeiros não devem estar presentes por direito próprio, e não como convidados, nos Centros de Coordenação Operacional da ANEPC, quando é da sua responsabilidade atuarem operacionalmente? Os Bombeiros voluntários não devem ter um Estatuto Social do Bombeiro de aplicação universal em Portugal, com claros e efetivamente aplicáveis incentivos ao voluntariado? As Associações Humanitárias de Bombeiros não devem ser financeiramente apoiadas pelo Estado, eventualmente através de contratos-programa, para que os Corpos de Bombeiros estejam devidamente equipados com instalações dignas, equipamentos e viaturas, prestando com qualidade e segurança o socorro às suas comunidades? Os Bombeiros com contrato de trabalho não devem ter uma carreira e uma estrutura remuneratória progressiva, deixando de não ter um regime laboral justo e indispensável para obviar ao trabalho precário? Não deve o Estado fazer cumprir a legislação por si aprovada com reflexos diretos ou indiretos nos Corpos de Bombeiros e nas Entidades Detentoras de Corpos de Bombeiros, dando nota que Portugal tem um Estado de direito democrático e cumpridor?
Estamos todos certos de que a resposta às nossas interrogações, dificilmente, não poderá ser: sim, os Bombeiros têm esses direitos!
Mas, (Senhor Presidente, Senhoras Deputadas e Senhores Deputados), precisamos de fazer diferente para que, se a resposta for sim, se alterem leis, decretos-lei, regulamentos e acima de tudo, se façam contas muito simples. Portugal, ao poder dispor de Bombeiros Voluntários, é uma nação que tem um bem imaterial de valor incalculável. Desde logo, porque no princípio de definição do conceito de proteção civil, o mesmo envolve os cidadãos, que neste caso de forma organizada, apresentam uma capilaridade única de meios de socorro de resposta às emergências e garante que uma parte substancial das despesas com a atividade de socorro sejam muito baixas, se comparadas com a total profissionalização dos Bombeiros em Portugal. Pelas nossas estimativas, a completa profissionalização dos nossos corpos de bombeiros poderá atingir o valor de 2 mil milhões de euros/ano. Por isso, está nas nossas mãos, talvez mais nas vossas mãos, se nos permitem a ousadia, garantir que o atual sistema se torne financeiramente viável, socialmente atrativo e juridicamente organizado.
Temos de uma vez por todas de clarificar a diferença entre Sistema de Proteção Civil, organização da proteção civil e agentes de proteção civil. Esta Assembleia da República produziu nos anos 80 uma excelente e moderna lei de bases da proteção civil e várias normas de apoio claro e inequívoco aos Bombeiros, pelo que, na nossa humilde opinião, devemos solicitar o seu cumprimento, dado que vivemos num Estado de Direito democrático.
A Liga dos Bombeiros Portugueses apela por isso para que seja cumprida a lei e que se reconheça a indispensabilidade de separar as atividades de proteção civil com as de bombeiros, garantindo que os Bombeiros têm um regime estatutário revisto, onde se vejam plasmados os seus direitos e deveres, mas acima de tudo que se deixe de confrontar, sistematicamente, os Bombeiros com concorrência desleal de outras agências, criando desmotivação e interrogações que em nada beneficiam o estado da arte. Ainda a semana passada foram entregues 101 viaturas novas de combate a incêndios aos sapadores florestais, porventura necessárias, mas quantas foram entregues aos Bombeiros de Portugal? Nenhuma, apesar da anunciada época dura que se prevê de combate aos incêndios florestais. Temos, de uma vez por todas, de deixar a síndrome dos incêndios florestais de 2017 ou de tentar copiar sistemas de resposta usados noutros pontos do Globo como panaceia, cuja credibilidade fica em dúvida, quando se avalia o que se passa com os incêndios florestais no Canadá.
Olhemos para a nossa paisagem, para as nossas florestas, para os nossos hábitos, para o nosso território, para a nossa experiência e abandonemos experimentalismos ou lutas por protagonismos de classe, para nos centrarmos na verdadeira questão: defender as nossas florestas, os bens, a natureza e acima de tudo a vida dos nossos cidadãos. Para nós, Bombeiros, que temos a plena consciência que somos, sem falsas modéstias, dos melhores do Mundo, pedimos independência, reconhecimento, capacidade de decisão e apoio para o desenvolvimento das nossas missões, aceitando as avaliações que forem feitas em cada atividade ou operação de socorro. Todos ficaremos a ganhar se Portugal puder ter Bombeiros Voluntários, equipados, disponíveis, entusiasmados e capacitados. Ao Estado deve competir complementar aquilo que as comunidades já dão aos seus bombeiros, ou seja, estima, reconhecimento e valorização.
A terminar, apelamos a Vossa Excelências, como representantes do povo português que olhem de forma diferente para o setor dos Bombeiros, prestando-lhes a atenção que merecem e promovendo, de facto e de direito, as medidas estruturais imprescindíveis para garantir a operacionalidade dos Bombeiros, como contributo constitucional da segurança dos portugueses, designadamente, através de um programa de reequipamento dos corpos de bombeiros, de contratos programa de índole operacional e financeira, de um quadro de carreira e remunerações, de um Estatuto de Apoio ao Voluntário, digno e adequado à realidade do país e contribuindo para a dignidade e a identidade dos Bombeiros, através da devolução do seu comando operacional. A decisão está, como atrás afirmei, nas vossas mãos, pelo que acreditamos que esta seja uma causa de unidade nacional, muito acima do pensamento político ou pessoal dos Partidos ou dos agentes políticos.”
Imagem: ARTV